Crítica – A Criança

Confesso que me arrependo amargamente de só ter tomado
conhecimento do cinema dos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne no ano passado,
quando assisti o ótimo O Garoto da
Bicicleta
(Le Gamin au Vélo). Donos de uma filmografia excepcional, a dupla
já saiu premiada de Cannes com a Palma de Ouro duas vezes. A primeira foi em 1999
com o pesado Rosetta – que conta a
história de uma garota procurando emprego enquanto sustenta a mãe alcoólatra –
e a segunda, em 2005, com esse A Criança
(L’enfant).
A trama gira em torno de Bruno (Jérémie Renier, que já
havia trabalhado com os diretores em A Promessa, de 1996), um malandro de rua que ganha
a vida com o lucro gerado por pequenos roubos efetuados por seus capangas, dois
adolescentes de classe média. Depois que sua namorada volta do hospital onde
teve seu filho, ele agora precisa se tornar um pai de família e sustentar a
casa. O problema é que Bruno não parece perceber as mudanças que ocorrem em sua
vida após a paternidade, e deseja manter sua rotina do mesmo jeito de antes,
lucrando sempre que puder.
Tratando de um tema comum em sua filmografia, os Dardenne
mostram aqui a decadência do personagem enquanto sofre as consequências de seus
atos. Fazendo uso de uma linguagem crua, com cortes secos e sem grandes arroubos
estéticos – também comum em seus trabalhos –, eles criam um sentimento de
urgência e realismo aos acontecimentos. A cena da perseguição de moto, por
exemplo, seria abordada de maneira completamente diferente por cineastas menos
experientes – provavelmente enfatizando o espetáculo –, ao invés disso, os diretores
aqui fazem uma abordagem mais intimista, o que aumenta a tensão e eleva a
qualidade do resultado final.
Não fazendo questão que gostemos do protagonista, os
irmãos preocupam-se mais em mostrar a trajetória de erros dele, sem nunca levar
em conta os motivos que o levam a tais atos. Essa seria uma escolha arriscada não
fosse o carisma de Jérémie Renier. O ator é capaz de fazer o público ficar do
seu lado não importa a situação em que se meta, tornando-se o “herói” da
narrativa. E são nas suas contidas expressões e nos gestos nada altruístas que
reside a maior qualidade desse trabalho.
No cinema dos Dardenne o protagonista prevalece à
história. Se o personagem for bom a história funciona. E nesse caso o
personagem é excelente, assim como o filme.

(L’enfant – 2005 –
França – Bélgica/França – Drama)
Direção: Jean-Pierre Dardenne e Luc
Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne e Luc
Dardenne
Elenco: Jérémie Renier, Déborah François,
Jérémie Segard, Fabrizio Rongione, Samuel De Ryck, François Olivier.

Nota:(Excelente) por Daniel Medeiros