Crítica | Argo

Ben Affleck nunca foi reconhecido por seu talento e desenvoltura como ator. Construindo sua carreira através de parcerias equivocadas (com Kevin Smith) e escolhas no mínimo duvidosas (Demolidor e Contado de Risco, para citar apenas dois exemplos), ele acabou sendo relegado ao título de apenas mais um rostinho bonito (com algumas poucas exceções, como Hollywoodland, por exemplo). Como roteirista, seu Oscar por Gênio Indomável é até hoje visto como uma injustiça, e por mais que seja um texto bem escrito, é fato que a academia o premiou (juntamente com o amigo Matt Damon) como forma de incentivo para jovens escritores – afinal eles estavam concorrendo com Boggie Nights naquele ano. Levando tudo isso em consideração, é uma agradável surpresa que Affleck tenha encontrado tamanha desenvoltura na sua recente carreira como diretor, entregando filmes densos e de qualidade. Argo, seu terceiro longa-metragem na função (depois de Medo da Verdade e Atração Perigosa), é um thriller político tenso, empolgante e muito bem realizado, que faz jus à filmografia do cineasta Ben Affleck.

O roteiro, escrito por Chris Terrio (Por Conta do Destino) com base no artigo de Joshuah Bearman (que pode ser lido aqui), mostra os eventos ocorridos no Irã em 1979, quando diversos habitantes de Teerã, indignados com a decisão do governo dos Estados Unidos de dar asilo ao ex-ditador xá Reza Pahlevi, invadem a embaixada americana no país e mantém os funcionários reféns, exigindo que os Estados Unidos devolvam o xá para que este seja julgado e enforcado por seus crimes. Em meio à invasão, 6 funcionários conseguem escapar pela porta dos fundos e se escondem na casa do embaixador canadense Ken Taylor (Victor Garber). É então que a CIA, por meio do agente Tony Mendez (Affleck), monta um plano megalomaníaco de resgate: fingir-se de produtores de um filme de ficção científica em busca de locações exóticas para filmar. Para tornar a idéia plausível, Mendez conta com a ajuda do maquiador John Chambers (John Goodman) e do produtor Lester Siegel (Alan Arkin).

Ainda que pinte os americanos como heróis anônimos, o texto de Terrio insere algumas passagens que lembram o real motivo daquela situação (“nós [os americanos] ajudamos o cara a torturar a população”), além de, corretamente, nunca questionar os atos dos iranianos, por mais brutais que eles pareçam. Mas o fato de não desenvolver mais essa questão, ou mesmo desenvolver os personagens estrangeiros, denota a escolha narrativa do escritor de retratar apenas um lado da história – o que não necessariamente é visto como um defeito, mas também não chega a ser uma qualidade. Entretanto, o roteiro merece destaque por saber se equilibrar bem entre as liberdades criativas tomadas em favor da narrativa (como a tensão vista no clímax, por exemplo) e o seu cuidado histórico.

E nisso, o design de produção de Sharon Seymour (Atração Perigosa) também merece menção, ao conseguir reproduzir diversas situações com exatidão através de cenários e roupas idênticas às utilizadas naquela situação (como é o caso da transmissão de TV iraniana que reportava as exigências do seu povo). E a direção de fotografia de Rodrigo Pietro (Intrigas do Estado) é bastante funcional ao utilizar uma paleta azulada e fria para ilustrar o Irã, contrastando com o amarelo quente de Hollywood.

Como diretor, Ben Affleck comprova, mais uma vez, seu talento ao comandar uma trama complexa, mantendo um clima de crescente tensão (vide o mencionado clímax) sem nunca perder o ritmo ou a atenção do espectador. Já o ator Ben Affleck mostra-se apenas correto, visto que não tem espaço para desenvolver o lado emocional de seu personagem – já que a subtrama envolvendo sua relação com a esposa e o filho é mal aproveitada e acaba tornando-se dispensável. Isso acaba fazendo com que os coadjuvantes, em especial Goodman e Arkin, roubem a cena. Utilizados principalmente como alívio cômico, os dois são responsáveis pelos momentos mais hilários do longa: “Se ele soubesse atuar não estaria interpretando o minotauro”, “se eu vou fazer um filme falso, vou fazer um falso sucesso!”, “Argo fuck yourself!”, entre outros.

Argo já é tido como um dos fortes candidatos ao Oscar do ano que vem. Ainda que seja cedo para indicar favoritos, é certo dizer que se o prêmio de fato vier para Affleck, dessa vez será muito mais merecido do que da anterior.

Idem / Drama/Suspense / EUA / 2012 / 120 min
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Chris Terrio, com base no artigo de Joshuah Bearman
Elenco: Ben Affleck, Alan Arkin, John Goodman, Bryan Cranston, Tate Donovan, Taylor Schilling, Nelson Franklin, Clea DuVall.


Nota: (Ótimo) por Daniel Medeiros