Crítica | O Hobbit – Uma Jornada Inesperada

É impossível não comparar Uma Jornada Inesperada, primeiro capítulo da adaptação para os cinemas do clássico O Hobbit, que será divido em três partes, com o A Sociedade do Anel, primeiro capítulo da trilogia O Senhor dos Anéis, lançado 11 anos antes. Além de se ambientarem no mesmo universo e contarem com alguns dos mesmos personagens, ambos são dirigidos por Peter Jackson, o que faz com que esse aguardado retorno à Terra-Média seja também um exercício de nostalgia para aqueles que, como eu, passavam os finais de ano dentro da sala de cinema. Entretanto, Uma Jornada Inesperada não serve apenas para matar saudades de nossos personagens queridos, mas também para contar os feitos e façanhas de Bilbo Bolseiro em sua juventude, inclusive seu fatídico encontro com o Um Anel… ou assim era para ser. O problema é que, em meio a uma realização equivocada e um resultado apenas positivo, as comparações mencionadas anteriormente acabam servindo mais para acentuar os defeitos desse novo longa do que para equipará-lo aos anteriores.

Iniciando a projeção com a já clássica imagem do Condado, o roteiro – escrito pelo próprio Jackson em parceria com Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo del Toro (este último, por muito tempo foi cotado para dirigir o filme, mas teve que sair por conta dos atrasos da produção) – mostra Bilbo escrevendo o seu livro de memórias pouco antes da sua festa de aniversário de 111 anos (festa essa que marca o início de A Sociedade do Anel). É então que, através das memórias de Bilbo, somos apresentados à história dos anões da Terra-Média que, liderados pelo rei Thor, levam uma vida de trabalho e riqueza. Porém, sua extensa fortuna em ouro chama a atenção do temível dragão Smaug, que faz um ataque cruel à fortaleza dos anões e expulsa os sobreviventes daquele lugar. Sem rumo e sem liderança, a raça se dispersa pela Terra-Média. É então que um pequeno grupo é formado para tentar reaver o seu lar. O grupo é liderado por Thorin, neto do antigo rei, e conta com a ajuda do mago Gandalf. E quando a empreitada precisa de alguém com habilidade de passar despercebido, entra em cena o pequeno e até então desconhecido hobbit.

Apresentando desde o início sérios problemas de ritmo – como quando Bilbo termina a introdução da história dos anões e fala “e é aí que eu entro” e ao invés da história de fato começar, ele fecha o livro inicia um diálogo completamente desnecessário com Frodo – Jackson se assemelha aos anões mostrados em seu filme ao se tornar vítima da sua própria “ganância”, realizando uma nova trilogia com base em uma história que, claramente, não tem necessidade de tanto. Sendo assim, toda a trama do primeiro capítulo se resume a Bilbo ser aceito no grupo e aos anões conseguirem ler um mapa que possibilitaria (no futuro, não agora) a sua entrada na caverna de Smaug (isso em quase 3 horas de duração!).

E quando me refiro a “os anões”, surge aí o segundo grande problema de O Hobbit: a falta de cuidado com os personagens. Dos 13 membros do grupo, terminamos o filme conhecendo apenas um, o líder. Ainda que as características físicas de alguns outros se sobressaiam, o fato de nenhum deles ser devidamente desenvolvidos acaba prejudicando a narrativa, visto que não cria simpatia com o público que, consequentemente, acaba não temendo por eles quando estes são colocados em situações de perigo – e o mesmo pode ser dito de Bilbo, já que sabemos que ele escapará de qualquer ameaça que enfrente. Na verdade, só temos conhecimento de que todos os anões estão presentes nas cenas porque Gandalf faz questão de contar cada um deles quando se reencontram depois da ação – algo que não era necessário na trilogia original, quando o cineasta soube desenvolver (em apenas um filme) cada membro da sociedade.

Entretanto, se narrativamente sua concepção falha, esteticamente ela continua excepcional. O brilhantismo do diretor é notado em sequências exuberantes como o belíssimo flashback da batalha dos anões pelo controle das minas de Moria ou na ótima (ainda que desnecessária) briga dos gigantes de pedra. E tecnicamente o longa também merece destaque. Além da captação e projeção em 48 quadros por segundo que possibilita uma qualidade de imagem infinitamente superior (ainda que cause estranhamento), os efeitos digitais tornaram-se mais realistas: reparem como Gollum está muito mais detalhado, tendo inclusive certas feições do ator Andy Serkis. Além disso, o design de produção também merece menção, principalmente nas diferenças na criação das cavernas dos anões – rica e iluminada – e dos goblins – sombria e assustadora.

Apesar de algumas sequências mais pesadas, Jackson opta por um clima descontraído e mais leve na trama, algo auxiliado pela escolha de Martin Freeman para o papel principal. O Bilbo Bolseiro de Freeman lembra bastante seu papel em O Guia do Mochileiro das Galáxias, sendo alguém que é levado pela situação mas que não hesita em, quando é preciso, mostrar o seu valor – sem nunca perder o bom humor inglês, é claro. Dentre os demais atores, além do retorno dos sempre competentes Ian McKellen, Hugo Weaving, Cate Blanchett e Christopher Lee, o grande destaque fica mesmo para Richard Armitage. Sendo o único do grupo a ser propriamente desenvolvido – com direito a um flashback para mostrar suas motivações e o ódio que sua raça nutre pelos elfos –, o líder dos anões mostra-se um guerreiro imponente e corajoso, capaz de utilizar um tronco de árvore como escudo apenas para não ter que fugir da batalha.

Por mais que funcione como exercício de nostalgia para os fãs que passaram quase uma década órfãos de O Senhor dos Anéis – pessoalmente, senti uma emoção enorme ao ver um simples plano dos personagens caminhando pelo campo enquanto a câmera aérea os ultrapassava –, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada não se sustenta como um filme único e marca o início apenas bom de uma franquia que tinha potencial para ser inesquecível. Ainda que não seja necessariamente ruim, não deixa de ser um resultado decepcionante se levarmos em consideração o material em que se baseia e a experiência da equipe envolvida.

P.S: Não chega a ser um defeito, mas achei estranho que a cena em que Bilbo encontra o Um Anel seja mostrada de maneira diferente daquela mostrada no prólogo de O Senhor dos Anéis. Era de se esperar que Peter Jackson fosse fiel ao universo cinematográfico que ele mesmo criou.

The Hobbit – An Unexpected Journey – Nova Zelândia/EUA – 2012 – 169 min. 

Direção: Peter Jackson
Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh, Philippa Boyens, Guillermo del Toro
Elenco: Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, James Nesbitt, Adam Brown, Aidan Turner, Dean O’Gorman, Graham McTavish, John Callen, Stephen Hunter, Mark Hadlow, Manu Bennett, Peter Hambleton, Ken Stott, Jed Brophy, William Kircher, Jeffrey Thomas, Mike Mizrahi, Cate Blanchett, Hugo Weaving, Elijah Wood, Andy Serkis.