Crítica | O Homem de Aço

Fazer um reboot de um super-herói consagrado nos cinemas é sempre uma tarefa arriscada. Ainda mais quando esse herói é alguém tão icônico quanto o Superman. Sendo assim, é admirável que os realizadores de O Homem de Aço consigam não apenas contar uma história de origem, como também entregar uma trama que insere elementos novos da mesma maneira em que se mantêm fiel ao universo em que se baseia.

Escrito por David S. Goyer (Batman Begins), o roteiro utiliza uma estrutura que, em muitos aspectos, se assemelha a aventura do homem-morcego comandada por Christopher Nolan (que aqui atua como produtor). Goyer parte do pressuposto de que a origem do Superman já é bem conhecida do publico (explorada até mesmo na série de TV Smallville), e que esse filme não tem a necessidade de recontá-la novamente (e nem precisa ser muito detalhada nesse texto).

Iniciando a projeção com a iminente (e já conhecida) destruição do planeta Krypton, a trama logo apresenta um Clark Kent adulto e com alguma consciência dos seus poderes. É então que, através de flashbacks, são mostrados alguns momentos específicos da sua juventude. E é interessante notar o texto é econômico nesse sentido, contando apenas alguns atos heroicos de Clark que, de alguma maneira, terão importância no decorrer da história.

Apesar de manter um clima realista, característico da parceria Goyer/Nolan, O Homem de Aço ainda encontra espaço para explorar questões fantásticas e religiosas inerentes ao protagonista. Além da influência clara (e histórica) do judaísmo, onde a origem do Superman pode ser comparada à origem de Moisés – a criança que é colocada num barco à deriva do rio Nilo e é criada por outras pessoas tendo que esconder sua verdadeira origem –, o filme também aponta diversas referências ao cristianismo, desde a frase de Jor-El (pai biológico do herói), afirmando que “ele será um Deus para eles”, passando pelo momento em que o herói busca conselhos em uma igreja, e culminando na idade de Clark (33 anos).

Goyer cria também um artifício interessante para sustentar as motivações dos personagens. Nessa sua (re)visão, Krypton é uma mistura de Matrix com Gattaca (entrar em mais detalhes poderia ser considerado um spoiler), conceito esse que serve para demonstrar os motivos que levaram ao extermínio da raça kryptoniana e a motivação pessoal dos atos do vilão Zod – a cena em que ele explica isso para o Superman é um dos melhores momentos do filme.

Nesse conceito do real e do fantástico, a escolha de Zack Snyder (Watchmen) para comandar o longa parece mais do que acertada. Conhecido por um estilo visual bastante particular, o cineasta consegue se equilibrar bem entre essas duas vertentes (apesar de que o uso constante de câmera na mão no início soe como uma tentativa desesperada de se ater ao real). Mais do que isso, Snyder mostra-se hábil ao conceber um embate que faz jus ao poder daqueles seres sobre-humanos. As sequências de batalha, além de muito bem construídas, realmente representam uma ameaça ao herói. E o seu poder é ilustrado através dos estragos causados em Metrópolis, que é praticamente reduzida às cinzas.

Também uma escolha acertada, devido à combinação de talento e tipo físico, o ator Henry Cavill (Imortais) acaba não tendo muito tempo para desenvolver a dualidade Clark Kent/Superman. Ainda que um momento chave, envolvendo seu pai adotivo, parece querer ilustrar essa questão, é possível que verdadeira discussão sobre o tema tenha sido deixada para a continuação. E sem um desenvolvimento mais aprofundado, seu personagem acaba prejudicado por alguns equívocos do roteiro, como o fato de mostrá-lo revelando seus poderes para Lois Lane (uma jornalista, vale destacar) logo no seu primeiro encontro com ela – o que acaba contradizendo tudo o que havia sido dito até então, quando o víamos como alguém que procurava ao máximo se esconder.

Mesmo assim, O Homem de Aço tem muito mais qualidades do que defeitos, e sua realização bem sucedida abre um novo precedente no atual universo cinematográfico da DC Comics. O filme não é tão realista e sombrio quanto o Batman e nem tão fabulesco quanto o Lanterna Verde; e é exatamente nesse equilíbrio que residem os seus maiores méritos.

(Man of Steel – Ação/Aventura – EUA – 2013 – 143 min.)
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer
Elenco: Henry Cavill, Diane Lane, Amy Adams, Michael Shannon, Kevin Costner, Ayelet Zurer, Russell Crowe, Harry Lennix, Lawrence Fishburne, Christopher Meloni, Antje Traue, Richard Schiff