Crítica | Noé

O cineasta Darren Aronofsky sempre apresentou uma visão cinematográfica bastante característica e autoral, que tinha como base a crueza do cinema independente. Sendo assim, é estranho perceber que Noé, seu mais novo filme é também o seu trabalho mais comercial, chegando a apelar para um espetáculo visual desnecessário e apresentando alguns equívocos narrativos que fazem desse um dos seus longas mais fracos, ainda que esteja longe de ser um filme ruim.

Baseado na história bíblica da Arca de Noé, o roteiro de Aronofsky e Ari Handel (co-autor de Fonte da Vida) narra a trajetória do personagem-título (Russell Crowe), que um dia recebe um chamado de Deus avisando-o sobre a destruição iminente da Terra. Ele parte então em busca dos conselhos de Matusalém (Anthony Hopkins), seu avô. Com ajuda de Matusalém, Noé descobre os planos do Criador, e tem início a construção da imensa arca que vai abrigar um casal de cada espécie de animais do planeta. Isso, porém, causa inveja em Tubalcaim (Ray Winstone), rei dos homens, que temendo a fúria divina, resolve atacar Noé e sua família e se salvar dentro daquela fortaleza de madeira.

Apresentando um apuro estético até então pouco visto em sua curta, mas ótima filmografia, Aronofsky concebe sequências belíssimas, como aquela que mostra em um único plano os anjos caindo como criaturas feitas de luz e se erguendo como gigantes de pedra. Também vale destacar os momentos filmados durante o nascer do sol (palmas para o diretor de fotografia Matthew Libatique por isso), que ilustram a beleza da criação divina ao mesmo tempo em que contrastam com os cenários destruídos pela interferência humana.

Simbolizando a maldade do homem através de uma ótima cena no acampamento de Tubalcaim, que por meio da violência e do fogo fazem o lugar parece um verdadeiro inferno na Terra, o cineasta toma a corajosa decisão de traçar um paralelo entre essa cena e o momento do dilúvio, destacando os gritos agonizantes das pessoas que morreram por conta da vingança celestial, fato que provavelmente traumatizou o protagonista a ponto de causar uma mudança drástica na sua personalidade no terceiro ato do filme – o que provavelmente vai desagradar muitos religiosos.

Mas se as decisões autorais do diretor são louváveis, o mesmo não pode ser dito das suas decisões mais comerciais. Noé exibe sequências de batalha completamente deslocadas dentro de sua narrativa, que acabam soando como uma exigência do estúdio – como aquela que mostra Matusalém empunhando uma espada alada e enfrentando um exército inteiro. Além disso, a própria ideia de colocar o protagonista batalhando ao lado de verdadeiros Transformers de Pedra não soa como algo que poderia ter saído da cabeça de Aronofsky. E neste sentido, até instantes que de fato lembram a sua filmografia (a criação do mundo em sete dias) não se encaixam bem dentro desse estilo “clássico” visto aqui.

Contando com uma decisão bastante preguiçosa do roteiro de colocar os animais num coma induzido durante toda a sua estadia na arca (o que consequentemente causaria a morte deles, mas não entremos nesse detalhe, pois ele está protegido pela explicação da influência divina), o resultado de Noé se assemelha ao de Fonte da Vida, que parte de um conceito interessante, mas peca por uma execução problemática. Não chega a ser um desastre – pelo menos não na proporção daquele mostrado dentro do filme –, mas fica longe da qualidade de trabalhos anteriores de Darren Aronofsky, como Réquiem Para um Sonho, O Lutador e Cisne Negro.

(Noah – Épico – EUA – 2014 – 138 min.)
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Darren Aronofsky e Ari Handel
Elenco: Russell Crowe, Ray Winstone, Jennifer Connelly, Emma Watson, Anthony Hopkins, Logan Lerman, Douglas Booth.