Crítica | Rua Cloverfield, 10

O cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer definiu o suspense com um exemplo simples. Ele disse: “imagine que estejamos sentados em uma sala normal. De repente, dizem-nos que há um cadáver atrás da porta. Em um instante, a sala onde estamos sentados mudou completamente”*. Essa citação me veio à cabeça durante a exibição de Rua Cloverfield, 10, já que o filme do estreante Dan Trachtenberg se utiliza dessa prerrogativa para mudar a atmosfera e explorar melhor o ambiente no qual os personagens se encontram.
Escrito pelo trio Josh Campbell (One Square Mile), Matthew Stuecken (curta The Tower of Babble) e Damien Chazelle (Whiplash: Em Busca da Perfeição), o roteiro acompanha Michelle (Mary Elizabeth Winstead), uma jovem que resolve fugir de um relacionamento complicado e recomeçar a vida em outro lugar. O problema é que, no caminho, ela sofre um acidente e vai parar em um bunker, acorrentada à parede. Logo ela conhece o misterioso Howard (John Goodman), que diz tê-la salvado de um ataque nuclear ocorrido enquanto ela estava desmaiada. E por mais que a informação seja confirmada pelo outro morador do local, Emmett (John Gallagher Jr.), isso não é suficiente para convencer Michelle de que aquela é toda a verdade que se esconde por trás do seu “resgate”.
É aí que entra a questão da mudança do ambiente defendida por Dreyer. O roteiro manipula a nossa percepção sobre àquele lugar e àquelas pessoas, criando suspense em cima de certas situações somente para resolvê-las em seguida. Isso faz com que o público não consiga adivinhar as surpresas que o longa guarda; e sim, elas são muitas. Uma dessas reviravoltas de expectativa se dá pela relação com Cloverfield – Monstro (2008). Tal relação coloca o espectador numa posição inicial de aparente superioridade – afinal, quem assistiu ao original sabe que, por mais absurda que possa parecer essa história de um ataque nuclear, ela é verdadeira. Mas a situação logo se inverte, e Rua Cloverfield, 10 se envereda por caminhos não trilhados antes.
Aliás, esse talvez seja o seu maior atrativo: não se limitar a ser apenas um derivado, mas sim, como o próprio produtor JJ Abrams apontou, uma espécie de antologia que mantém alguma linha de conexão com o anterior. Mas o mais interessante é notar que as mudanças empreendidas aqui são visíveis tanto na forma (o primeiro foi filmado todo em found footage enquanto o este apresenta um estilo “clássico”) como no seu conteúdo (enquanto o original era basicamente um filme de monstro gigante, esse novo é um suspense psicológico).
Outra diferença fundamental é que o longa trabalha com atores já conhecidos, que trazem consigo um carisma não só necessário, mas essencial para os seus papeis. O caso mais claro disso é o de John Goodman, que se utiliza da sua persona simpática em favor do mistério que cobre seu personagem. E se John Gallagher Jr. chama atenção ao explorar o seu viés cômico, o grande destaque fica mesmo por conta de Mary Elizabeth Winstead, que cria uma protagonista forte e determinada, mas que não hesita em transparecer também o seu lado mais sensível e delicado.
Dirigido com segurança por Dan Trachtenberg, que consegue manter a tensão crescente durante toda a projeção, sem nunca se perder em meio a todas as viradas do roteiro, Rua Cloverfield, 10 se mostra mais do que um derivado daquele filme de 2008. É um produto novo, diferente, mas igualmente interessante e instigante.

FICHA TÉCNICA
Título original: 10 Cloverfield Lane

Gênero: Supense
País: EUA
Ano: 2016
Duração: 103 min.
Direção: Dan Trachtenberg
Roteiro: Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle
Elenco: Mary Elizabeth Winstead , John Gallagher Jr., John Goodman.

*citação retirada do livro “As teorias dos cineastas”, de Jacques Aumont.


VEJA TAMBÉM O NOSSO POST SOBRE ARQUITETURA NO CINEMA.