Crítica | Esquadrão Suicida

Não costumo criar expectativa nenhuma em relação a um filme. Acredito que desta forma posso avaliá-lo pelo que ele é, e não pelo que eu esperava – ou gostaria – que fosse. No caso de Esquadrão Suicida, reunião de um grupo de vilões do universo DC, isso funcionou a meu favor, uma vez que toda a campanha de marketing vendia uma obra diferente dessa que foi lançada nos cinemas (quem ainda tem dúvida, basta comparar o trailer abaixo com a obra que está em cartaz). Assim, se eu tivesse criado qualquer expectativa, esta não seria correspondida. Mas se a ausência de uma ideia pré-concebida foi algo positivo para a minha percepção do longa de David Ayer, a possibilidade de uma observação impassível também revelou uma obra extremamente problemática.
Escrito pelo próprio Ayer, o roteiro apresenta um grupo seleto de vilões que convocado para trabalhar secretamente para o governo, sob a justificativa de que, num mundo de monstros, alienígenas e super-heróis, é preciso de uma nova força tarefa cujos membros dispensáveis possam combater ameaças impossíveis e ainda levar a culpa caso tudo dê errado. Os expendables, nesse caso, são o Pistoleiro (Will Smith), assassino de aluguel conhecido por nunca ter errado um tiro; Arlequina (Margot Robbie), ex-psiquiatra encarregada de tratar o Coringa (Jared Leto) que se apaixonou por ele e enlouqueceu; Capitão Bumerangue (Jai Courtney), ladrão australiano com um histórico de violência; Diablo (Jay Hernandez), ex-líder de gangues mexicanas que consegue controlar o fogo; Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje), que, como o próprio nome sugere, é uma mistura de homem com crocodilo; Katana (Karen Fukuhara), misteriosa assassina japonesa; Magia (Cara Delevingne), entidade milenar que habita o corpo de uma arqueóloga; e Slipknot (Adam Beach), que não tem tempo suficiente em cena para sequer ser lembrado. O grupo é liderado pelo soldado Rick Flag (Joel Kinnaman) e segue as ordens da burocrata Amanda Waller (Viola Davis).
Os buracos no roteiro já começam na concepção da história, cuja principal ameaça é resultante da própria formação do esquadrão. Ou seja, caso o grupo não fosse formado, a ameaça não existiria. E pior, havia um jeito de acabar com tudo remotamente, mas nada é feito. Assim, problemas “menores” soam quase insignificantes. Quase. Porque não dá para ignorar os diálogos expositivos (a vilã faz questão de explicar passo a passo todo o seu plano, sem ninguém perguntar) ou a falta de coerência na narrativa, que soa acelerada e repetitiva (metade da trama é construída em cima do resgate de uma pessoa e a outra metade envolve um novo resgate dessa mesma pessoa). Além disso, a justificativa para a criação do grupo é que eles possam lidar ameaças que ninguém mais pode enfrentar. Ameças específicas que exijam a presença de pessoas específicas. Mas isso é logo ignorado, uma vez que o esquadrão é colocado em meio a um perigo mundial, perigo esse que certamente chamaria a atenção dos outros super-heróis da DC – que são citados e mostrados ao longo do filme.
A falta de coerência também não se restringe à história, e também atinge os atores. Enquanto Will Smith mantém-se no piloto automático ao encarnar o Pistoleiro como… bom, como Will Smith, Margot Robbie até consegue explorar bem a imprevisibilidade da Arlequina. Quem se destaca, porém, são os coadjuvantes Hernandez e Courtney, este primeiro por tentar dar alguma dramaticidade ao seu papel, atuando com o rosto coberto por tatuagens, e o segundo por ser responsável por algumas (raras) piadas engraçados. Em contraste, Cara Delevingne entrega uma atuação que, na falta de uma palavra melhor, é simplesmente vergonhosa. E não estou exagerando. Em diversos momentos do terceiro ato, quando ela ficava dançando em cena, eu virava a cara com vergonha do que estava vendo. Mas nada se compara a caracterização de Jared Leto para o Coringa, a pior já vista no cinema. Quando não se apresenta como um cafetão com dentes platinados (que ganha a vida como dono de boate, vale destacar), o ator tenta imitar muito do que Heath Ledger fez em O Cavaleiro das Trevas, mas não consegue. O que é uma pena, porque existem alguns raros instantes em que se percebe resquícios de uma concepção própria – como uma respiração forte, quase animalesca – que, caso fosse mais trabalhada, poderia resultar em algo muito melhor.
Dirigindo as cenas de ação com total incoerência, David Ayer não sabe o que fazer com tantos personagens ao mesmo tempo, e as vezes se esquece de alguns. Da mesma maneira, a lógica geográfica é completamente ignorada, e nunca se sabe onde está cada uma daquelas pessoas. Pesando a mão também nas sequências dramáticas, o diretor não encontra o tom correto para o seu longa, que surge como uma bagunça ora melodramática, ora engraçadinha. A desarmonia narrativa é tão grande que a solução encontrada foi inserir música o tempo todo. E o pior de tudo é perceber que uma dessas músicas já foi usada há dois anos, em um filme da Marvel!
Antes de acabar, porém, permitam-me uma pequena digressão.
Acredito que, em relação ao tom, a culpa não deva ser atribuída somente a Ayer. Diversas notícias relacionadas a uma possível intervenção do estúdio saíram na época da produção e continuam saindo até hoje. Houveram refilmagens, supostamente para deixá-lo com mais engraçado, e a recepção morna de Batman vs Superman fez com que a DC/Warner reestruturasse todo o seu universo cinematográfico. Porém, como crítico, sou obrigado a avaliar o material que foi apresentado e não o que poderia ter sido (isso seria o equivalente a criar expectativa). E o Esquadrão Suicida que eu vi é mesmo muito fraco.

Título original: Suicide Squad

Ano: 2016
Duração: 123 min.
Gênero: Aventura
Direção: David Ayer
Roteiro: David Ayer
Elenco: Will Smith, Margot Robbie, Viola Davis, Jared Leto, Common, Jai Courtney, Jay Hernandez, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Cara Delevingne, Joel Kinnaman, David Harbour, Ike Barinholtz, Alain Chanoine, Adam Beach, Karen Fukuhara, Scott Eastwood, Ezra Miller e Ben Affleck.