Crítica | O Chamado 3

O cinema de terror norte-americano sempre teve uma forte tendência ao moralismo. Para citar apenas um exemplo, podemos olhar para o subgênero slasher das décadas 1970 e 1980. Apesar do uso extenso de sexo e violência, o subgênero é caracterizado como uma crítica à revolução sexual ocorrida nos anos anteriores (sexo equivale a morte; abstinência é igual a vida). Exemplos como esse acontecem o tempo todo ao longo da história. O medo nuclear, a ameaça comunista, a epidemia da AIDS; todos foram temas explorados para reforçar a ideia de uma sociedade aparentemente perfeita, ameaçada por forças externas, forças essas que fogem do conceito de “normalidade”. A diferença é que enquanto bons filmes conseguem driblar essas regras; outros servem apenas para reforçá-las. Infelizmente, O Chamado 3 segue essa segunda linha, e de maneira bastante descarada.
Escrito pelo trio David Loucka (A Última Casa da Rua), Jacob Estes (Detalhes) e Akiva Goldsman (A 5ª Onda), o longa tem início num avião, onde vemos um passageiro temendo a sua morte iminente, já que faz uma semana que ele viu o famoso vídeo que mata. Quem lhe apresentou o vídeo foi uma garota que ele conheceu na sua viagem, sugerindo promiscuidade da parte dele – e, de certa forma, justificando o seu fim trágico. Dois anos após o ocorrido, vemos o professor Gabriel (Johnny Galecki, da série The Big Bang Theory) encontrando o velho videocassete pertencente à vítima no avião. Pouco depois de adquirir o equipamento, ele é visto em casa, onde acabou de fazer sexo com uma de suas alunas. Como se isso não fosse suficiente, o professor ainda acende um cigarro de maconha, selando o seu destino. A TV se liga sozinha e a fita começa a rodar. As imagens do mundo real e do vídeo passam a se fundir, e ele está condenado.
Somente após essas duas introduções que conhecemos a nossa protagonista. Interpretada por Matilda Lutz (L’Universale) como um poço de moral, a jovem Julia é vista trocando juras de amor com o seu namorado, Holt (Alex Roe, de A 5ª Onda), que vai para a faculdade, deixando-a sozinha. Fica claro que Julia abriu mão da faculdade para cuidar da sua mãe, por motivos que não são deixados claros – afinal, nunca vemos a mãe dela. Também é sugerido um sentimento de ciúmes do namorado em relação a um colega de trabalho de Júlia. Mas nada disso é mostrado, já que o texto parece mais interessado em partir logo para ação, esquecendo que desenvolvimentos como esses são necessários para que nos importemos com os personagens. Semanas se passam e Holt desaparece. Após receber uma estranha ligação de uma colega do namorado, Julia resolve investigar as circunstâncias do sumiço dele, que tem alguma ligação com o tal professor Gabriel.
O roteiro explora algumas das “regras” estabelecidas desde o primeiro filme – como o fato de que é preciso copiar a fita e mostrá-la para outra pessoa para se livrar da maldição – e até introduz uma abordagem pseudocientífica para o fenômeno Samara Morgan. Desta forma, vemos um grupo de pesquisa que tenta desvendar os poderes da garota fantasma e estudá-los. Digo “vemos” porque esse é o máximo que temos acesso a essa temática que, caso fosse melhor trabalhada, seria muito interessante, como um esquema pirâmide mortal, alimentado pela curiosidade a respeito do sobrenatural. Em vez disso, porém, os roteiristas optam por um caminho bastante característico das trilogias de terror, tentando esclarecer a origem do mal, e ainda por cima relacionando-a com uma temática religiosa.
Não quero entrar em muitos detalhes para não estragar nenhuma surpresa, mas basta dizer que a jovem sinistra tem sua origem relacionada a uma relação pecaminosa, e temos também um padre e uma velha igreja envolvidos de alguma maneira. Além disso, manifestações divinas tentaram impedir a presença do corpo da garota em uma pequena cidade, no melhor estilo bíblico. Todas essas escolhas servem para tentar explicar algo que não precisava de explicação. O mistério da origem de Samara é muito mais assustador do que sua origem. E o pior é que, mesmo assim, tais artifícios falham ao não conseguirem fazer exatamente isso. Muitas perguntas ficam em aberto e a subtrama sobre o desaparecimento de uma garota logo é esquecida, como se o seu paradeiro deixasse de ser importante, o que só enaltece a inutilidade daquele mistério.
Dirigido de maneira impessoal por F. Javier Gutiérrez (Tres Días), O Chamado 3 também falha ao não fazer o básico que se espera de um filme de terror: causar medo. O cineasta não consegue estabelecer um clima de tensão e não cria situações interessantes que causem sustos. Isso acontece não por falta de tentativa, mas por escolhas equivocadas. Quando não está repetindo situações anteriores – como o glitch de Samara –, o diretor opta por clichês que não assustam justamente porque o espectador “adivinha” as coisas que vão acontecer – é o caso da cena na qual a protagonista olha pelo buraco da fechadura. Na falta de criatividade, Gutiérrez apela para situações banais, como um guarda-chuva que se abre fazendo um estrondo, apelando para um susto barato. Mas falha até nisso e o que sobra é um longa de desenvolvimento fraco, que não envolve o público na sua trama e o pior, é extremamente moralista.

Título original: Rings
País: EUA
Gênero: Terror
Ano: 2017
Duração: 107 min.
Direção: F. Javier Gutiérrez
Roteiro: David Loucka, Jacob Estes e Akiva Goldsman
Elenco: Matilda Lutz, Alex Roe, Johnny Galecki, Vincent D’Onofrio, Aimee Teegarden, Bonnie Morgan, Chuck Willis, Patrick Walker.