Crítica | Produção da Netflix, Calibre usa tensão para discutir organização política e familiar em locais isolados

Filme foi indicado por Stephen King, que apontou semelhanças à Hitchcock e O Homem de Palha.

Crítica Calibre Netflix
Com um catálogo cada vez maior de produções originais, acaba ficando mais difícil encontrar alguma coisa boa para assistir na Netflix. De certa maneira, retorna-se aos tempos nostálgicos das videolocadoras, quando passávamos horas e horas caminhando pelos corredores, na esperança de descobrir alguma joia rara até então despercebida – ao menos eu era assim. E como acontecia naquele tempo, também precisamos confiar nas opiniões de outras pessoas na hora de buscarmos recomendações. Mas precisam ser pessoas de confiança, cujo gosto se assemelha ao nosso. Calibre é uma dessas surpresas escondidas do serviço de streaming, e conta com o aval e a indicação de ninguém menos que Stephen King.
Em uma postagem no Twitter, o escritor afirmou que o filme é um thriller de “roer as unhas. Tem um estilo meio hitchcockiano com um pouco de O Homem de Palha no meio, para uma boa mistura”. Isso foi suficiente para fazer eu me interessar pela produção. E o interesse valeu a pena. Não apenas as referências apontadas por King estão presentes ao longo de toda a narrativa conduzida por Matt Palmer, como é possível enxergar uma discussão acerca do que é certo e do que é errado, da organização política e social em locais remotos, e, principalmente, dos sacrifícios feitos em nome da família.

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A trama acompanha Vaughn (Jack Lowden) e Marcus (Martin McCann), dois amigos de longa data que não se veem há algum tempo. Vaughn está prestes a ser pai, e é convencido pelo outro a ir numa caçada por uma região rural da Escócia. A justificativa dada por Marcus é que esta será a sua última oportunidade de aproveitar a sua “liberdade”. Chegando à cidade, eles se hospedam num pequeno hotel, jogam conversa foram com alguns dos moradores, entre eles, Logan McClay (Tony Curran), espécie de líder do lugar. Marcus se envolve com uma garota local, embora saiba que o ex-namorado dela é bastante ciumento. Mas, a princípio, nada de errado acontece. Porém, no dia seguinte, ainda de ressaca, os dois vão caçar, e um terrível acidente interrompe a sua tranquilidade. O que se segue são 90 minutos de pura tensão, em que os amigos tentam esconder o seu “erro” ao mesmo tempo em que temem ser desmascarados.
O estilo hitchcockiano mencionado por King fica mais visível no jeito como o diretor Matt Palmer conduz a sua narrativa, manipulando a tensão do espectador do início ao fim. Assim como aconteceu com Norman Bates no seu hotel em Psicose, acompanhamos os dois personagens tentando “limpar” até os mínimos detalhes do seu erro. A minúcia como cada detalhe é mostrado faz com que passemos de meros voyeurs para cúmplices do ato. Por mais que saibamos que eles estão errados, acabamos ficando do lado deles, torcendo para que consigam se livrar da sua responsabilidade. Ou melhor, partilhamos da tensão deles quando percebemos que eles estão perto de serem desmascarados.

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De O Homem de Palha vem à ideia de uma comunidade isolada que opera por meio de regras e de leis próprias. A organização da pequena comunidade escocesa, porém, não é religiosa, mas política. Calibre apresenta o confronto entre dois grupos políticos diferentes: os que presam pelo seu isolacionismo e aqueles favoráveis ao progresso. Ou seja, são ideais conflitantes. Embora o progresso seja necessário para manter aquela comunidade viva, ele também acabaria com a atual organização sob a qual o local funciona. E a presença dos protagonistas em meio aquela sociedade serve para explicitar o conflito entre essas visões. Desta forma, é significativo que a solução encontrada para este problema seja, a sua maneira, democrática.
Porém, o que mais me chamou atenção nesta obra foi a sua temática familiar, e a como os sacrifícios feitos em nome da família ganham destaque dentro da narrativa. A estrutura familiar está presente em todo filme, deste Vaughn, que está prestes a ser pai, passando pela relação quase de irmão que ele tem com Marcus, e culminando na comunidade isolada, que é uma grande família. E como toda grande família, é normal que existam conflitos entre os seus membros. Portanto, os sacrifícios que são feitos durante o terceiro ato são tanto políticos quanto familiares. E é isto que torna o plano final tão poderoso, mostrando um personagem encarando a câmera, segurando nas mãos o motivo das suas escolhas e questionando-se a respeito do preço que foi pago.

Crítica Calibre Netflix

Crítica Calibre NetflixFICHA TÉCNICA:
Título original: Calibre
Gênero: Thriller
País: Reino Unido
Duração: 101 min.
Ano: 2018
Direção: Matt Palmer
Roteiro: Matt Palmer
Elenco: Jack Lowden, Martin McCann, Tony Curran, Ian Pirie, George Anton, Kate Bracken, Therese Bradley, Joe Cassidy, Cameron Jack, Kitty Lovett, Cal MacAninch.

Assista ao trailer de Calibre: