Crítica | Spike Lee usa história real da década de 1970 para falar sobre a atualidade em Infiltrado na Klan

Crítica | Spike Lee usa história real da década de 1970 para falar sobre a atualidade em Infiltrado na Klan
Na época do lançamento de Django Livre, de Quentin Tarantino, o cineasta Spike Lee (diretor de Faça a Coisa Certa) criticou abertamente a obra, dizendo que retratava a cultura negra de maneira desrespeitosa, glamorizando a escravidão e transformando-a em espetáculo. Quando um fã de Tarantino criticou os comentários de Lee, falando que se tratava apenas de um filme e que não deveria ser levado a sério, o realizador respondeu que o cinema é uma mídia poderosa, citando como exemplo o fato de O Nascimento de uma Nação, longa dirigido por D.W. Griffith em 1915, ter levado ao linchamento de pessoas negras. Lee entende o poder político desempenhado pelo cinema e em Infiltrado na Klan ele usa este poder para abordar questões atemporais na história americana (e mundial).
A trama se passa no final da década de 1970 e conta a trajetória verídica de Ron Stallworth (John David Washington, da série Ballers), um novato na polícia do Colorado que, por telefone, consegue se infiltrar na filial local da Ku Klux Klan. Além de ter a sua própria carteirinha de membro, Stallworth  faz contato com algumas das principais lideranças da Klan, como David Duke (Topher Grace, de Noite de Abertura), um ambicioso político americano que ficou conhecido pelo seu extremismo. Nos encontros presenciais, Stallworth é substituído por Flip Zimmerman (Adam Driver, de Star Wars: Os Últimos Jedi), um detetive judeu que se passa por ele e investiga as possíveis ações terroristas da organização.
Crítica | Spike Lee usa história real da década de 1970 para falar sobre a atualidade em Infiltrado na Klan
Por mais que Flip não concorde com muitos dos questionamentos levantados por Ron, tal discordância nunca é vista como inimizade, servindo, em vez disso, para fortalecer a relação dos dois. Além do mais, o contato próximo com a Klan obriga Zimmerman a reavaliar sua própria crença, uma vez que a religião nunca havia sido uma “questão” na sua vida – ela não é algo visível, como a cor da pele, o que permitia que ele passasse despercebido entre os grupos preconceituosos. E a expressividade de Adam Driver permite que percebamos todas as nuances do seu personagem e todas mudanças pelas quais ele está passando. Porém, nessa troca John David Washington sai perdendo, visto que seu protagonista não ganha tanta atenção quanto o colega coadjuvante.
Dono de um estilo de direção bastante característico, Spike Lee faz com que seus personagens apareçam em muitos momentos posando para câmera, como quando eles escutam o discurso de um líder dos Panteras Negras, ilustrando como aquele discurso atinge a todos de maneira igual. Ao contrário disso, o diretor destaca as diferenças dos grupos raciais por meio da montagem. Enquanto os militantes estudantis escutam com atenção e respeito as palavras de um homem idoso que conta um caso trágico que ele presenciou, envolvendo o espancamento e morte de um jovem negro, os membros do Klan reagem de forma histérica à exibição de O Nascimento de uma Nação, enxergando ali o que o presidente americano Woodrow Wilson um dia declarou como sendo a “história escrita com relâmpagos”.
Crítica | Spike Lee usa história real da década de 1970 para falar sobre a atualidade em Infiltrado na Klan
Aliás, não é por acaso que a obra de Griffith aparece com tanta frequência aqui. Vale lembrar que o filme foi responsável por revitalizar a Ku Klux Klan, mostrando os seus membros como heróis da Guerra Civil americana e presenteando-lhes com aquele que se tornou o seu símbolo mais icônico: a cruz flamejante. Porém, em vez de ficar referenciando apenas o passado, Spike Lee usa esse tema para falar sobre o presente, especialmente para criticar o atual governo do presidente Donald Trump. E ele não é nada sutil nessa sua crítica.

As referências a Trump são constantes, desde a aparição de Alec Baldwin (intérprete de Trump no programa Saturday Night Live) num pequeno papel, passando pela repetição de frases icônicas da campanha presidencial (como “fazer a América grande de novo”), pelo descrédito em relação à história (em certo momento um personagem fala que o Holocausto foi uma farsa criada pelos judeus), até a menção de que esse extremismo um dia pode chegar na Casa Branca. Assim, além de um excelente filme, Infiltrado na Klan serve para mostrar que embora o cinema tenha ajudado a propagar ideais racistas ao longo dos anos, o poder dessa mídia também pode ser usado como forma de resistência.

Crítica | Spike Lee usa história real da década de 1970 para falar sobre a atualidade em Infiltrado na Klan

FICHA TÉCNICA:
Título original: BlacKkKlansman
Gênero: Drama/Thriller
País: EUA
Duração: 135 min.
Ano: 2018
Direção: Spike Lee
Roteiro: Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott e Spike Lee.
Elenco: John David Washington, Adam Driver, Michael Buscemi, Isiah Whitlock Jr., Laura Harrier, Robert John Burke, Brian Tarantina, Arthur J. Nascarella, Alec Baldwin.

Assista ao trailer legendado de Infiltrado na Klan: