Crítica | Jobs

Uma boa cinebiografia é aquela que acrescenta algo significativo em relação à pessoa na qual se baseia. Para isso, é preciso um bom roteiro (que trate essa pessoa como um personagem instigante e ainda assim real), uma boa atuação (que não se limite a uma simples similaridade física), e uma direção segura (para equilibrar essas vertentes e manter o ritmo da narrativa). Jobs, cinebiografia do criador da Apple, Steve Jobs, não tem nenhuma dessas qualidades.

Escrita pelo novato Matt Whiteley, a trama é centrada nas décadas de 1980 e 1990, mostrando o jovem Steve Jobs (Ashton Kutcher) ainda estava na faculdade e trabalhando na Atari. Quando o amigo Steve Wozniak (Josh Gad) cria um protótipo de computador que permite ao usuário ver o seu trabalho em tempo real, o projeto acaba se tornando o pioneiro da recém-criada Apple Computadores, que logo (como todos sabem) se transforma numa empresa referência no ramo da tecnologia.

Um dos grandes problemas de cinebiografias reside exatamente no fato de se tratar da vida de uma pessoa. E o maior trabalho do roteirista é escolher quais desses momentos cabem dentro do filme, e quais que não cabem. Por mais que Whiteley tenha feito a escolha de se focar num período de tempo específico da vida do protagonista (o que torna a cena inicial totalmente dispensável), não deixa de ser decepcionante que numa história tão rica como a de Steve Jobs, o roteiro resolva manter grande parte da sua atenção em questões referentes a problemas empresariais. Sendo assim, momentos interessantes como a briga entre Jobs e Bill Gates são apenas citadas, sem muito desenvolvimento.

Ainda assim, é louvável a ideia do roteirista de não “endeusar” o seu protagonista, tentando (mas nem sempre conseguindo) apresentá-lo como um personagem humano e, principalmente, imperfeito. Infiel (abandona a mulher quando ela está grávida), deslocado (é colocado pra trabalhar no período da noite para não incomodar os outros funcionários), e impossível de se trabalhar (se livra de todos que ele considera inúteis); o Steve Jobs mostrado aqui não é um gênio da informática, mas sim alguém que, acima de tudo, tinha uma mente empreendedora.

Essa visão “diferente” da vida de Steve Jobs funcionaria caso o ator escalado fosse talentoso o suficiente para desenvolver esse papel de maneira a torná-lo crível para o público. E não é isso o que acontece. Apesar das notáveis similaridades físicas (expostas inclusive em fotos durante os créditos), Ashton Kutcher é um ator limitado, e sua personificação de Steve Jobs resume-se a imitar seu jeito de andar. Com isso, o filme perde aquele “ponto de reconhecimento” que transformaria essa “versão de Steve Jobs” no “verdadeiro Steve Jobs”*.

*Um exemplo disso aconteceu em Ray (2004), cinebiografia de Ray Charles. O longa apresenta uma versão do cantor que é completamente diferente daquela pessoa sorridente que o público estava acostumado a ver, mas a atuação de Jamie Foxx é tão convincente, que ele torna o personagem crível. E o espectador passa então a acreditar que aquela era a verdadeira persona de Ray Charles.

O cineasta Joshua Michael Stern (Promessas de um Cara de Pau) conduz a narrativa de maneira didática e prosaica, demonstrando poucos momentos de ousadia (como a sequência em que o efeito da droga é usado como uma elipse de tempo). E o resultado é um filme que não faz jus à vida ou ao legado de Steve Jobs.

(Jobs – Drama – EUA – 2013 – 128 min.)
Direção: Joshua Michael Stern
Roteiro: Matt Whiteley
Elenco: Ashton Kutcher, Dermot Mulroney, Josh Gad, Lukas Haas, Matthew Modine, J.K. Simmons, Victor Rasuk