Crítica | A Grande Jogada

Ainda que repita alguns temas, filme reforça o talento de Aaron Sorkin. 

Na edição de janeiro de 1954 da revista francesa Cahiers du Cinema, François Truffaut escreveu uma matéria sobre aquilo que viria a ser conhecida como a Teoria do Autor. Essa teoria afirma que por mais que o cinema seja uma arte colaborativa, é a visão do diretor a que prevalece sob todas as demais, mesmo quando trabalha sob o comando de estúdios e produtores poderosos (nomes como Alfred Hitchcock e John Ford foram alçados à alcunha de artistas por conta disso). Via de regra, o cinema virou, então, a arte do diretor. Isso não significa que não possam haver exceções à essa regra.
Pessoalmente, acredito que além de ser um dos melhores roteiristas da atualidade, Aaron Sorkin também merece ser reconhecido como um autor. Em todas as obras que ele escreveu, sua voz sempre se sobressai, as vezes encaixando-se de maneira orgânica com a direção (como em A Rede Social), as vezes batendo de frente com ela (Steve Jobs). De um jeito ou de outro, ela nunca se cala. A Grande Jogada marca a primeira experiência de Sorkin como cineasta, mas, de novo, são as suas palavras que soam mais alto – ainda que elas ecoem alguns dos seus trabalhos prévios.
Repetindo a mesma fórmula adotada em A Rede Social, o roteiro usa o artifício de um processo judicial para contar, em retrospecto, uma história real, neste caso a de Molly Bloom (vivida por Jessica Chastain), uma ex-patinadora olímpica que gerenciou partidas milionárias de pôquer e acabou sendo perseguida pelo FBI. Os jogos gerenciados por Molly eram frequentados por atores de Hollywood, celebridades do esporte, bilionários e, de vez em quando, mafiosos. Ela chegou a escrever um livro falando sobre a sua vida, mas não citou os nomes das pessoas envolvidas.
Em vez de simplesmente adaptar o livro, o texto de Sorkin o inclui na trama. Aqui, quando conhecemos Molly, dois anos já se passaram desde que ela parou de gerenciar os jogos. E ao ser presa pelo FBI, ela precisa passa a revisar todos os detalhes da sua vida e do seu trabalho com o advogado Charlie Jaffey (Idris Elba). Essa revisão não inclui apenas os detalhes relacionados aos jogos, mas também a sua experiência como patinadora e a relação conturbada com seu pai, Larry (Kevin Costner). Aliás, assim como fez em Steve Jobs, o autor posiciona a paternidade como um tema central, mas não evidente.
Outro elemento narrativo presente na filmografia do roteirista/autor é a constante movimentação em cena, seja quando os personagens andam e falam ao mesmo tempo (o famoso walk and talk), o que determina a urgência daquela situação, ou quando ficam trocando de lugares no tribunal, numa gag visual que serve para quebrar um pouco da tensão (algo similar ao que ele fez em Jogos de Poder).
Mas apesar de todas as semelhanças, existe uma diferença crucial entre esta e as outras obras escritas por Sorkin: pela primeira vez na sua carreira, o filme é estrelado por uma mulher. Ainda que já tenha chegado perto disso em Questão de Honra, no qual Demi Moore dividia a tela com Tom Cruise, aqui o show é todo de Jessica Chastain. A atriz compõe a sua personagem como uma mulher de fala rápida, inteligente e extremamente metódica, que chega a justificar o uso de drogas para manter ativo o seu verdadeiro vício. Da mesma maneira, ela reconhece que a sua beleza a auxilia a manipular os homens à sua volta.
Como realizador, Sorkin imprime um ritmo frenético à sua narrativa – algo que combina com a verborragia do seu roteiro –, apoiando-se numa montagem acelerada como forma de explicitar a velocidade do pensamento da sua protagonista. Já a direção de fotografia Charlotte Bruus Christensen (A Garota do Trem) cria algumas rimas visuais interessantes, como nos dois momentos em que Molly sai da luz para entrar na escuridão. O primeiro é quando ela confronta um dos jogadores (conhecido como Jogador X e interpretado por Micheal Cera), colocando-se frente a frente com ele, de igual para igual. O segundo é quando ela espancada por um mafioso, e busca refúgio na escuridão. São situações diferentes e motivações diferentes, que a levam ao mesmo lugar.
São momentos como estes que apontam que, embora alguns temas abordados aqui já tinham sido melhor explorados em filmes anteriores, A Grande Jogada Aaron Sorkin também é um diretor promissor. Sim, ele ainda tem muito o que aprender nessa nova área, mas está um passo mais próximo de um merecido reconhecimento como um autor.
FICHA TÉCNICA:
Título original: Molly’s Game
Gênero: Drama
País: EUA
Duração: 140 min.
Ano: 2017
Direção: Aaron Sorkin
Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Kevin Costner, Michael Cera, Jeremy Strong, Chris O’Dowd, Brian d’Arcy James, Bill Camp, Graham Greene.

Assista ao trailer legendado de A Grande Jogada.