Crítica | O Primeiro Homem transforma viagem à Lua em drama pessoal

Crítica | O Primeiro Homem transforma viagem à Lua em drama pessoal

“Nós decidimos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque são fáceis, mas porque são difíceis”, disse o então presidente americano John F. Kennedy em 1962, num discurso célebre que deu um novo gás para a corrida espacial e culminou com a pegada do astronauta Neil Armstrong no solo lunar. O Primeiro Homem, nova parceria do cineasta Damien Chazelle com o ator Ryan Gosling (ambos de La La Land: Cantando Estações), conta a história de Armstrong, mostrando que essas dificuldades mencionadas por Kennedy vão muito além dos problemas tecnológicos.

Escrito por Josh Singer (The Post – A Guerra Secreta) com base no livro de James R. Hansen, o roteiro acompanha quase uma década na vida de Neil Armstrong (Gosling), um piloto de testes que, ao pilotar um X-15, teve o seu primeiro vislumbre do espaço. A tranquilidade espacial é substituída pela conturbada realidade terrestre. Após perder a filha, vítima de câncer, Neil decide voltar ao trabalho. Mas quando lhe empurram um serviço burocrático – que lhe daria tempo para pensar na sua perda –, ele enxerga a oportunidade de sair dali e ingressar no programa espacial.

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Assim, fica estabelecida desde o início a relação trabalho-família, algo que vai ser reforçado ao longo de toda a narrativa. Chazelle explicita isso ao demonstrar como o relacionamento de Armstrong com a sua família melhora quando seu trabalho está indo bem – e como piora quando as coisas vão mal. Além disso, o diretor investe em uma montagem paralela que mostra Neil no espaço e sua esposa, Janet (Claire Foy), na Terra, dando igual importância a estes dois eventos. A relação trabalho-família também é um fator determinante para leva-lo a aceitar a missão.
Quando questionado acerca dos motivos de a humanidade ir até à Lua, Neil fala da possibilidade de poder enxergar as coisas sob outra perspectiva. Sua perspectiva, porém, tem mais a ver com a sua trajetória pessoal para lidar com o luto do que com as mudanças que tal viagem causaria no mundo. Por mais que o personagem de Buzz Aldrin (Corey Stoll) ofereça uma opinião dissonante – falando sobre a corrida espacial contra a União Soviética –, fica claro que o filme se posiciona de maneira contrária à opinião pragmática de Aldrin e favorável à motivação emocional de Armstrong.

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Marcado por um histórico de tragédias, o protagonista parece se afastar de todos como forma de se proteger. Afinal, é na solidão que encontra a segurança para lidar com os seus problemas. Numa determinada cena, Neil vê um balanço na árvore e menciona para o colega Ed White (Jason Clarke) que a sua filha tinha um igual. Porém, antes de levar a conversa adiante e expor demais a sua intimidade ao amigo, ele se afasta, retornando à sua escuridão solitária. E Gosling, que não é um ator expressivo, representa bem essa personalidade introvertida justamente pela frieza da sua atuação.
Damien Chazelle também opta por uma abordagem intimista. Apostando em planos fechados, o realizador transforma a sua câmera num personagem que acompanha os astronautas, vendo as coisas sob o mesmo ponto de vista deles (os voos são filmados todo no interior dos foguetes, e não por fora). Mais do que isso, porém, a câmera parece sentir o que eles sentem, partilhando da tensão deles durante os voos – em muitos casos a câmera treme tanto que não dá pra identificar o que está sendo mostrado, numa representação subjetiva da visão daquelas pessoas. E é bastante significativo que, quando finalmente chegam à Lua, a câmera seja a primeira a sair.

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Contando uma história que já é, ao menos em partes, conhecida pelo público, o longa é mais focado nos desafios da viagem, e não no seu destino. E foram muitos desafios. O design de som destaca o ranger dos metais das aeronaves antes da decolagem, apontando para o perigo iminente que aquela tecnologia representa. Trata-se de um perigo real, que custou a vida de alguns astronautas ao longo dessa jornada. Tal insegurança é reproduzida pelo próprio Armstrong quando conversa com a família pouco tempo antes de embarcar e fala da possibilidade de não voltar. Porém, apesar de temer a viagem, ele a aceita, uma vez, de certa maneira, ele precisa disso.
“Este é um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco salto para a humanidade” disse Neil Armstrong ao pisar na superfície lunar pela primeira vez. O filme de Damien Chazelle, porém, faz o caminho inverso, diminuindo o salto representado pela humanidade naquele momento e aumentando o passo daquela pessoa. O Primeiro Homem é a história desse passo e desse homem.

Crítica | O Primeiro Homem transforma viagem à Lua em drama pessoal

Crítica | O Primeiro Homem transforma viagem à Lua em drama pessoalFICHA TÉCNICA:
Título original: First Man
Gênero: Drama/Aventura
País: EUA
Duração: 141 min.
Ano: 2018
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Josh Singer, com base no livro de James R. Hansen.
Elenco: Ryan Gosling, Claire Foy, Jason Clarke, Kyle Chandler, Corey Stoll, Patrick Fugit, Christopher Abbott, Ciarán Hinds, Olivia Hamilton, Pablo Schreiber, Shea Whigham, Lukas Haas, Ethan Embry.

Assista ao trailer legendado de O Primeiro Homem: