Crítica | Lincoln

É fácil perceber os motivos que levaram Lincoln, cinebiografia do 16º presidente americano, a ser o filme com maior número de indicações ao Oscar desse ano. Além de ser um drama de época (característica que a academia adora premiar) e tratar da vida de uma figura conhecida e admirada pela maioria dos americanos, o longa ainda conta com o nome de Steven Spielberg no comando, o que por si só já garantiria um lugar na cerimônia (e o fato de ter Daniel Day-Lewis encabeçando o elenco também ajuda). Porém, ao assistir o filme, a impressão que fica é que os realizadores se focaram tanto nas premiações que podiam vir a ocorrer, que se esqueceram básico: fazer uma produção merecedora de tais prêmios.

Focando-se no período que antecede a instauração da 13ª emenda, que abole a escravidão em todo o território estadunidense, o roteiro de Tony Kushner (Munique), baseado no livro de Doris Kearns Goodwin, mostra Abraham Lincoln (Lewis) tentando a todo custo aprovar a nova lei, algo que ele vê não apenas como uma saída para encerrar a guerra da secessão, mas também (e principalmente) como a coisa certa a ser feita. E é visível a intenção do roteirista de transformar Lincoln não apenas num homem, mas em um ícone, alguém cuja luta solitária contra a escravidão é inclusive ilustrada num sonho do protagonista – e algo que encaixa perfeitamente com a visão extremamente sentimental de Steven Spielberg.

Abordando tangencialmente algumas contradições sociais – como quando é visto que parte da população só apoiava o presidente devido a promessa do fim da guerra, e não por desejarem que todos tivessem direitos iguais; ou ao apresentar a hipocrisia da parcela da sociedade que se dizia a favor de direitos iguais para todos, mas quando mencionada a questão dos direitos da mulher se mostram contrários –, o texto de Kushner escolhe não se aprofundar em tais questões, talvez para não atrapalhar a visão “emocionada” do cineasta que comanda a história.

E ele tenta emocionar. Seja quando os negros são aplaudidos após sua primeira entrada no congresso; quando o presidente visita os campos de guerra porque “precisava ver de perto”; ou nas discussões de Lincoln com sua esposa (Sally Field, mal aproveitada); todas são tentativas do diretor de arrancar algumas lágrimas a mais do seu público. Mas o pior é perceber que a até a construção dos personagens é colocada em risco ao favorecer a emoção – como ao deixarem subentendido que certa pessoa só é totalmente contra a escravidão por ter um relacionamento com uma negra.

Salvando o filme de um desastre total, a composição de Daniel Day-Lewis para o protagonista é, sem dúvida alguma, o ponto alto da narrativa. Seu Abraham Lincoln, apesar de viver em um ambiente lúdico, envolto em sombras e fumaças, é uma pessoa carismática, de fala mansa, que tira o discurso de dentro da cartola como um mágico prestes a entreter sua plateia. Sempre contando histórias e anedotas, o herói é constantemente visto sempre repetindo para si mesmo as ações que deve tomar, como forma de se reafirmar que aquela é a decisão correta. Entretanto, se seus discursos podem ser impactantes quando ditos em meio a grupos de ouvintes, as falas individuais (com a governanta ou os operadores do telégrafo, por exemplo) acabam não funcionando tão bem.

Já o elenco de apoio, apesar de numeroso e talentoso, acaba não ganhando muita atenção, e consequentemente não encontra muito espaço para desenvolver seus personagens. O que chega a ser uma contradição já que, narrativamente falando, quando o Thaddeus Stevens de Tommy Lee Jones é apresentado exatamente da mesma maneira que Lincoln (com a câmera escondendo-o inicialmente para só depois revelar seu rosto), era de se esperar que ele tivesse uma função maior do que apenas convencer uma única pessoa (altamente influenciável, diga-se de passagem) a votar favoravelmente em relação à emenda.

Repetindo o mesmo equívoco que cometeu em AI – Inteligência Artificial, Spielberg estende o filme demasiadamente, mesmo depois de claramente já ter finalizado sua narrativa, não hesitando, inclusive, em explorar não só a morte do presidente (algo que, por si só, já soa desnecessário se levarmos em conta a proposta do roteiro de focar-se apenas num período da vida do protagonista) como também o desespero de uma criança ao receber a notícia trágica.

Ao final, Lincoln se mostra falho e mal realizado, não merecendo nem a atenção e nem todas as indicações recebeu – ainda mais se comparado a títulos como Argo, Amor ou As Aventuras de Pi.

(idem – drama – EUA – 2012 – 150 min.)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner com base no livro de Doris Kearns Goodwin
Elenco: Daniel Day-Lewis, Tommy Lee Jones, Sally Field, David Strathairn, Joseph Gordon-Levitt, James Spader, Tim Blake Nelson, John Hawkes, Jackie Earle Haley, Jared Harris.