Crítica | Trash – A Esperança Vem do Lixo

É no mínimo interessante assistir a uma produção estrangeira passada no Brasil. Normalmente, o filme fica bem longe da realidade nacional – em parte por falta de pesquisa dos realizadores (como aponta o documentário Olhar Estrangeiro) e em parte por falta de interesse –, mas não deixa de ser curioso ver como, em alguns casos, é estereotipada a visão internacional em relação ao nosso país. Trash – A Esperança Vem do Lixo não foge desses clichês, e por mais que entregue um resultado levemente satisfatório, mostra-se decepcionante quando comparado ao restante da filmografia das pessoas envolvidas.

Escrito por Richard Curtis (roteirista do qual sou fã desde seu excelente trabalho em Simplesmente Amor e mais recentemente em Questão de Tempo), o roteiro acompanha o jovem catador de lixo Rafael (Rickson Tevez, ótimo), que encontra no lixão uma valiosa carteira descartada por José Angelo (Wagner Moura) pouco antes de ser capturado, interrogado e morto pela polícia do Rio de Janeiro. Logo, o policial corrupto Frederico (Selton Mello) vai até o lixão onde Rafael mora em busca da carteira, mas o jovem decide escondê-la até entender melhor o que está acontecendo. Para isso, ele conta com a ajuda dos amigos Gardo (Eduardo Luiz) e Rato (Gabriel Weinstein), e com o auxílio do padre Juilliard (Martin Sheen) e da assistente social Olivia (Rooney Mara), que trabalham no lixão.

Estabelecendo-se como um “favela movie” desde o início da projeção, em que Rafael surge segurando uma arma, pronto para cometer assassinato, o filme procura emular muitas das características da recente produção nacional. Não por acaso, o diretor de fotografia é Adriano Goldman, mesmo de Cidade dos Homens, que traz consigo o uso de cores quentes, sombras e uma câmera tremida. Isso contrasta bem com o estilo clássico do cineasta britânico Stephen Daldry (O Leitor), mais acostumado a conceber belas imagens, e não um visual “feio” como esse – mas uma belíssima cena em que o lixão aparece pegando fogo, e as chamas são refletidas na água, parece ilustrar bem a união desses dois estilos distintos.

E quando mencionei a minha admiração por Richard Curtis, isso foi apenas para ressaltar a minha surpresa ao perceber a qualidade duvidosa do seu trabalho neste longa. Sim, ele recorre ao clichê do macguffin para fazer a história girar e cai em alguns estereótipos (como o fato da policia inteira do Brasil ser corrupta, como mostrado em Velozes & Furiosos 5 – Operação Rio), mas isso nunca chega a ser um problema. O problema de verdade é que a trama em si não faz sentido algum. É claro que o roteirista opta por oferecer ao público apenas a visão do trio de crianças em relação àquela situação, o que é uma decisão interessante, mas também abre possibilidades de interpretação que não são muito favoráveis. (Atenção, o restante do parágrafo contém spoilers. Só leia se já tiver assistido ao filme.) Por exemplo: qual era o plano do José Ângelo? Ele roubou 10 milhões de reais e voltou para casa? E ele realmente achou que, caso ele fosse pego (e provavelmente morto), a melhor opção seria deixar a sua filha pequena escondida dentro de um cemitério? E se ele pretendia expor o deputado corrupto, a maneira mais inteligente de conseguir isso era mesmo escondendo a única prova dentro de um túmulo? E o que dizer da sua escolha de disponibilizar essa informação por meio de códigos para um condenado que não poderá fazer nada a respeito? Isso realmente ia ajudar de alguma forma o seu “plano”? (Fim dos spoilers.)

Mas, apesar dos problemas, Curtis merece destaque pelo desenvolvimento do trio principal. Enquanto os americanos ficam relegados a simples observadores daquela história (rostos conhecidos para plateias estrangeiras), os garotos ganham características marcantes e personalidades próprias. Rato claramente serve de alívio cômico e Gardo apresenta um temperamento mais impulsivo, o que contrapõe com a serenidade e seriedade de Rafael.

E são esses personagens que tornam um filme que poderia ser um desastre total uma jornada interessante de ser acompanhada. Sim, Trash – A Esperança Vem do Lixo é bastante irregular e serve apenas de entretenimento, sem conseguir passar a “mensagem” que é empurrada garganta abaixo nos minutos finais de projeção, mas também não deixa de ser um bom trabalho. Mesmo assim, Stephen Daldry, Richard Curtis e, principalmente, o cinema brasileiro já produziram coisas muitos melhores do que isso.

(Trash | Drama/Aventura | Reino Unido/Brasil | 100 min.)
Direção: Stephen Daldry
Roteiro: Richard Curtis
Elenco: Wagner Moura, Selton Mello, Richard Curtis, Rickson Tevez, Eduardo Luis, Gabriel Weinstein, Rooney Mara, Martin Sheen, André Ramiro, José Dumont