Crítica | A Travessia

A Travessia é um dos poucos exemplares recentes que não só justificam o uso da tecnologia 3D como também a tornam essencial para a total apreciação do filme. E se no quesito técnico esse novo trabalho do cineasta Robert Zemeckis (O Voo) se mostra impecável, narrativamente ele apresenta alguns problemas, que só não são mais agravantes devido à beleza das imagens ali exibidas.

Escrito pelo próprio diretor e por Christopher Browne, o roteiro se passa na década de 1970 e conta a história real de Philippe Petit (Joseph Gordon-Levitt, de Looper – Assassinos do Futuro), um equilibrista francês que sonha em atravessar as ainda inacabadas Torres Gêmeas usando apenas um cabo. Montando uma equipe um tanto disfuncional, ele planeja invadir a construção e realizar aquele que ele considera o maior feito do equilibrismo do século.

Apesar de contar um caso já conhecido por alguns – pelo menos aqueles que viram o ótimo documentário O Equilibrista –, A Travessia se preocupa mais em detalhar a paixão que o equilibrista nutre pela sua profissão do que em narrar em detalhes a vida do seu protagonista. Sendo assim, o filme passa rapidamente – talvez até rápido demais – pelo seu treinamento com o divertido Papa Rudy (Ben Kingsley, de A Invenção de Hugo Cabret) para chegar logo à sua paixão pelas Torres Gêmeas.

Existe aí um subtexto muito claro, o de homenagear Nova York por meio da celebração daquele que era um dos seus maiores símbolos. Isso é explicitado quando o Petit aparece narrando a sua história do alto da Estátua da Liberdade, com vista para o antigo World Trade Center, numa forma de combinar as suas duas maiores paixões: a altura e a cidade. Dessa maneira, o longa adquire um caráter nostálgico e melancólico, que o personagem carrega durante toda a sua narração.

Aliás, é importante destacar também a intrigante construção do protagonista, que surge como alguém extremamente obcecado, que negligencia todas as pessoas ao seu redor – inclusive a sua mulher – para conseguir o que quer. E é notável perceber como, em certo momento, ele chega até a demonstrar um aspecto violento da sua personalidade, até então ausente ou ao menos escondido atrás do sorriso constante e do carisma de Gordon-Levitt.

Mas se Petit é um personagem interessante, o mesmo não pode ser dito do resto da sua equipe. Todos os demais membros têm pouco tempo em tela e são muito mal desenvolvidos, chegando ao ponto de Zemeckis ter que atribuir-lhes características específicas logo que eles são apresentados, como forma de causar alguma empatia. Com isso, a equipe de Petit é composta apenas por caricaturas: temos a esposa, os maconheiros, o anarquista, o executivo, o dono da loja de penhores e o matemático que não fala inglês e tem medo de altura.

Porém, se problemas narrativos como esses empobrecem os dois primeiros arcos, eles perdem importância no final, quando o diretor cria um espetáculo visual como há muito não se via. Talvez desde Hitchcock a vertigem não tenha sido retratada de maneira tão específica. Mas existe uma diferença clara. Enquanto em Um Corpo que Cai, era o protagonista que experimentava a vertigem – e a tecnologia apenas explicitava isso –, aqui esse sentimento é experimentado apenas pelo público, por meio do uso do 3D. A grande profundidade de campo nas cenas em que Petit atravessa as torres chega a ser nauseante tamanha o realismo que só essa tecnologia permite.

Mais do que um tributo à vida de Petit, A Travessia é sim um tributo ao Cinema, uma celebração do máximo da imersão ritualística que só essa tecnologia de produção/exibição permite. É o tipo de filme que não só precisa ser visto na sala de cinema, como necessariamente precisa ser visto em 3D.

FICHA TÉCNICA
Título original: The Walk
Gênero: Aventura
País: EUA
Ano: 2015
Duração: 123 min.
Direção: Robert Zemeckis
Roteiro: Robert Zemeckis e Christopher Browne
Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingsley, Charlotte Le Bon, James Badge Dale, Ben Schwartz, Steve Valentine, César Domboy, Benedict Samuel.